Crónica de Rosário Pimentel, in www.penacovactual.pt/2020/06/cronica-envelhecimento-como.html
Seja qual for o mecanismo e o tempo do envelhecimento celular e embora haja correlação entre o número possível de duplicações das células e a longevidade máxima da espécie a que pertencem, o envelhecimento não atinge simultaneamente todas as células e consequentemente todos os tecidos, órgãos e sistemas. A claudicação funcional resultante da diminuição orgânica é igualmente assíncrona: mínima para a homeostase glicémica, a falência atinge o seu máximo no respeitante à capacidade respiratória que assim constituiria a determinante fisiológica da longevidade máxima.
Tendo cada sistema o seu tempo de envelhecimento, mesmo sem a interferência dos fatores ambientais, tal facto tem implicações que se tornam mais visíveis quando o organismo é agredido pela doença. A diminuição da função renal – de cerca de 50% aos 80 anos, condiciona fortemente a farmacoterapia do idoso; as alterações orgânicas a nível das mucosas digestivas são determinante frequentes de problemas nutricionais; as alterações da arquitetura do osso e a dismetabolia cálcica propiciam fraturas frequentes; a diminuição da água intracelular – perda de 10 a 15% aos oitenta anos, torna o idoso extremamente sensível aos desequilíbrios hidro-eletrolíticos, o que é agravado pela diminuição da sensação de sede; o aumento da massa gorda favorece a obesidade com todo o seu conjunto de consequências.
Para além de todas as diminuições orgânicas e funcionais, que originam significativas alterações na forma e na composição corporal com o passar dos anos, talvez as condições mais relevantes a ter em consideração para a sobrevivência do idoso e para a sua qualidade de vida sejam no entanto, a diminuição da sua reserva fisiológica e a consequente dificuldade na reposição do seu equilíbrio homeostático quando alterado. Não ter estas duas alterações sempre presentes no lidar diário com os mais velhos, pode ser a diferença entre a vida e a morte.
As considerações feitas até aqui, referentes às modificações físicas determinadas pelo envelhecimento, são igualmente aplicáveis ao envelhecimento mental.
As alterações orgânicas verificadas no sistema nervoso, fundamentalmente o envelhecimento e a perda dos neurónios substituídos por tecido glial, a diminuição do débito sanguíneo com a consequente diminuição da extracção da glicose e do transporte do oxigénio e a diminuição de neuromediadores, condicionam a lentificação dos processos mentais e as alterações da memória, da atenção e concentração, da inteligência e do pensamento. As diminuições referidas não comprometem significativamente o desempenho do idoso, em condições normais. Mantém-se as capacidades verbais e de cálculo e aritmética, a orientação, a memória remota, a inteligência cristalizada, as emoções, a personalidade.
O idoso supera a diminuição mental como a física, se elas não forem agravadas pela doença ou pelas agressões ambientais e sociais. A atividade intelectual e o exercício físico, o controlo da doença, a vida social e familiar favoráveis, permitem ao idoso ultrapassar as dificuldades de um envelhecimento normal e manter a autonomia e a qualidade de vida.
Num percurso de vida que teoricamente se estende até aos 120 anos, o homem cresce, amadurece e envelhece.
Processo contínuo e irreversível, o envelhecimento normal traz consigo a diminuição física, mental e social consequente das alterações estruturais e funcionais que experimenta no corpo e na mente. E que não podendo ser evitadas podem ser minimizadas e proteladas.
Porventura inscrito no genoma, o tempo de vida que é dado ao homem viver terá a marca que cada um quiser ou puder imprimir.
Aceitar o envelhecimento, assumi-lo nas suas grandezas e misérias, viver com ele, é provavelmente a maior tarefa que o homem enfrenta.
E nesta aceitação do envelhecimento, cada um de nós deverá ter sempre presente o que são os grandes problemas do idoso e quais os objetivos dos cuidados aos idosos.
No respeitante aos grandes problemas do idoso, temos a solidão (perda de contactos sociais e familiares), a carência de recursos (sócio-económicos); as doenças (crónica, acidente, demência) e a perda da autonomia (incapacidade e dependência). E no que concerne aos objetivos dos cuidados aos idosos, temos a mobilização de todos os recursos possíveis para manter na família e na comunidade, com autonomia e qualidade de vida, o maior número de idosos; valorização de todas as capacidades do idoso no sentido de superar os défices existentes; avaliação dos problemas e necessidades do idoso com vista a uma assistência integrada e compreensiva; assistência continuada, no domicílio ou instituição aos idosos inválidos ou com doença crónica; ensino e formação contínua aos idosos, familiares e profissionais e promoção da investigação biológica, clínica e social na área do envelhecimento.
E porque se envelhece cada vez mais tarde e considerando que um grande número de idosos conserva durante muitos anos razoável estado de saúde e vitalidade, é crucial encarar o envelhecimento como um processo natural que deve ser vivido com tranquilidade e de forma bem-sucedida. E por hoje é tudo, termino esta crónica com um poema de Saúl Dias,“Nunca Envelhecerás”.
Nunca Envelhecerás
A tua cabeleira
é já grisalha ou mesmo branca?
Para mim é toda loira
e circundada de estrelas.
Sobre ela
o tempo não poisou
o inverno dos anos
que se escoam maldosos
insinuando rugas, fios brancos…
Ao teu corpo colou-se
o vestido de seda,
como segunda pele;
entre os seios pequenos
viceja perene
um raminho de cravos…
Pétalas esguias
emolduram-te os dedos…
E revoadas de aves
traçam ao teu redor
volutas de primavera.
Nunca envelhecerás na minha lembrança!…
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